quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Projeto que proíbe eleição de réus não terá validade




Mesmo se aprovado e sancionado, o projeto de lei de iniciativa popular, com mais de 1 milhão de assinaturas, que pretende negar o direito de ser votado a cidadãos que respondem a processos na Justiça não vai vigorar no Brasil. O vaticínio está em acórdão a ser publicado nos próximos dias. A ementa trata de decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante, em que os ministros reafirmaram que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença.

Matéria de grande apelo popular, o retrocesso civilizatório repudiado pelo STF é defendido pelas entidades representativas do Ministério Público, pela Associação dos Magistrados, Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, pela OAB e por grande parte da imprensa. Deputados e senadores cogitam propor que a mesma regra seja estendida a todas as funções públicas, inclusive a dos proponentes do projeto.

No dia 6 de agosto de 2008, oito ministros do STF acompanharam o eloquente voto do relator, Celso de Mello. Em sua fundamentação, o ministro falou do retrocesso histórico que seria restabelecer o instrumento que caracterizou os períodos mais tenebrosos do regime militar brasileiro e do fascismo italiano, que tentaram estabelecer a presunção de culpabilidade — em que cabia ao acusado provar a sua inocência. O princípio da presunção de inocência, segundo o decano do Supremo, é uma medida de proteção aos direitos fundamentais e de preservação da cidadania ativa (direito de votar) e a passiva (de ser votado).

O Movimento Combate à Corrupção Eleitoral entregou, no dia 29 de setembro, ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), o projeto de lei de iniciativa popular que proíbe o registro de candidatos que estejam sendo processados. A proposta veda candidatura a quem tenha sido condenado em primeira instância por improbidade administrativa e uma lista de crimes hediondos como tráfico de drogas, estupro, pedofilia, exploração sexual e roubo de carga .

Celso de Mello observou que a aprovação do projeto representará um recuo histórico aos piores momentos do governo Médici, já que a proposta de impedir a candidatura antes do trânsito em julgado é reprodução da Lei Complementar 5, editada em abril de 1970. A norma previa que o simples recebimento de denúncia impedia qualquer cidadão de concorrer a cargo eletivo. No governo do general Figueiredo, a Lei Complementar 42 passou a exigir sentença condenatória para a inelegibilidade de um cidadão. No entanto, também não mencionava o trânsito em julgado. A questão foi levada ao STF, onde os ministros fixaram que a restrição só existe de fato diante da condenação definitiva.

A conclusão se deu no julgamento do RE 99.069. A corte interpretou que a Lei Complementar 42 impôs o trânsito em julgado da sentença para a aplicação da inelegibilidade. O relator foi o ministro Oscar Corrêa. A ratificação do entendimento, como ressalta Celso de Mello, proclama que a presunção de inocência é um princípio inquestionável. Direitos políticos não podem ser suspensos salvo com condenação transitada em julgado. Pelo entendimento, quem tem o monopólio da escolha das candidaturas são os partidos. Cabe às agremiações políticas o papel de selecionar melhor os seus candidatos e à sociedade a eleição de seus representantes. O projeto de lei em questão representaria uma tentativa de substituir os critérios dos partidos e da população.

No ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre o assunto na análise da ADPF 144, o Plenário, por nove votos a dois manteve o entendimento. Concluiu que a presunção de inocência estende-se ao processo eleitoral e que qualquer medida restritiva só pode decorrer de sentença transitada em julgado. A decisão tem efeito vinculante, mas não se estende ao Legislativo. Ficaram vencidos os ministro Carlos Britto (que defendeu a restrição já com a decisão em primeiro grau) e Joaquim Barbosa (para quem seria necessário a confirmação em segundo grau).

O entendimento do STF é o de que impedir a candidatura implica desrespeito aos princípios mais caros e fundamentais das liberdades do cidadão. A proposta de inelegibilidade a acusados e mesmo aos condenados sem trânsito em julgado teria excelente acolhida durante o regime fascista, induz o ministro, ao relembrar que .

Durante o julgamento da ADPF 144, o ministro Ricardo Lewandowski mostrou dados que revelam que 28% dos recursos de réus condenados são providos e resultam em absolvição. Caso a proposta de lei entre em vigor, essas pessoas estariam privadas da cidadania.

No voto, que será publicado em poucos dias, Celso de Mello faz uma comparação entre a proposta e o Código Penal italiano, conhecido como Código Rocco, feito durante o governo do Benito Mussolini, em 1930. Segundo o ministro, na Itália, o Código Penal foi usado como instrumento político de combate àqueles que se opunham ao regime totalitário, que menosprezava a presunção de inocência. O Código Rocco teve forte influência na formulação do Código de Processo Penal brasileiro, durante o Estado Novo. Cabia ao réu provar a sua inocência.

Celso de Mello entende que a cidadania não pode ser afetada por decisões instáveis, que não transitaram em julgado. Ele diz ainda ser grave que a CNBB, a pretexto de preservar a probidade, apoie a transgressão a princípios básicos do Direito brasileiro.

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